Criador do Valmirismo, a “primeira religião virtual do mundo”, Valmir arrebanha fiéis pelo Orkut.
Valmir acredita no que afirma ou é praticante imperturbável de um gênero de troça farsesca. Ele declara ter no currículo 28 comendas e quase uma dezena de medalhas de mérito concedidas por órgãos públicos e entidades civis. Duas vezes eleito Mister Elegante em Itapevi, na Grande São Paulo, é colunista de vários jornais locais e tem trânsito livre na Câmara dos Vereadores. Homem de fala ligeira e cordial, é amigo de parlamentares, secretários municipais e gaba-se de ser sempre recebido com carinho pela prefeita Ruth Banholzer (PT). Está sempre presente nos eventos promovidos pelas autoridades, sendo ele convidado ou não. Mas Valmir Gonçalves Mendes – ou melhor, Comendador Mendes, como é conhecido – garante não ter preferências partidárias ou ambições políticas.
O maior objetivo de Valmir é difundir o Valmirismo, doutrina que criou em 1979 e ganhou asas anos mais tarde pela internet, convertendo-se na “primeira religião virtual do mundo”, nas suas palavras. “Nosso templo é a internet. Ninguém precisa de uma igreja para louvar a Deus. E é até melhor assim. Como não tenho de manter um imóvel, não preciso cobrar dízimo ou contribuições dos fiéis”, afirma o comendador.
Seus princípios e dogmas estão sintetizados no site www.valmirismo.cjb.net, que recebeu mais de 1 milhão de visitas em seis anos. Também em perfis e comunidades no Orkut, que possuem, somados, mais de 2 mil amigos, ou “adeptos”, como prefere denominar o líder religioso de 67 anos. Mendes atualiza as páginas na web e responde aos e-mails que recebe nos intervalos do trabalho, em seu modesto escritório de contabilidade, localizado no Jardim Suburbano, periférico até no nome. Quem quiser conhecer suas obras pode conferir a listagem no site: quatro livros publicados (com impressão custeada pelo próprio autor), 22 obras registradas na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e outra obra cuja situação consta como “não informada”.
“Nossa doutrina prega e divulga o bem. E nós entendemos que o bem é tudo aquilo que é contrário ou oposto ao mal”, explica, em tom professoral. O que seria, então, o mal? “Tudo aquilo que é errado ou a sociedade não aceita, ué. Eu prego que todo homem está sempre certo, deve fazer aquilo de que gosta. E não falta quem me critique, dizendo que se todo mundo está certo, também estão corretos os homicidas. Mas eu sempre destaco que é preciso respeitar as leis e amar a Deus e ao próximo.”
Ex-pastor de igrejas evangélicas, Mendes se incomodava com o excessivo rigor exigido dos fiéis no comportamento. Decidiu apostar numa religião mais libertária. “Tem igreja que proíbe o fiel de usar bermuda no templo, outras que torcem o nariz para festas, que proíbem carne de porco. Para mim, o homem pode fazer tudo que o faz feliz, desde que permitido pela lei. Eu mesmo, se tivesse dinheiro, iria à boate todo sábado”, diz, em meio a risos. “Vivem me perguntando se sou a favor da união de homossexuais. Não vejo problema. Se o governo aprovar uma lei permitindo o casamento gay, vou apoiar. Eles nasceram assim, deve ser essas coisas de cromossomos. Temos de aceitar e deixá-los ser felizes.”
Fora da internet, o comendador aproveita o espaço de suas colunas na imprensa para divulgar o Valmirismo. No fim do ano, publicou suas previsões para 2011 no jornal Alternativa, entre elas a de que muitas cidades brasileiras sofreriam com enchentes e inundações em janeiro e a de que personalidades no mundo político, empresarial e cultural iriam morrer até o fim do ano. Teria o líder religioso dom para a vidência? “Não é nada disso. É experiência de vida”, explica. Também participa das passeatas para Jesus, sempre trajado com seus ternos repletos de insígnias e comendas, a bandeira do Valmirismo empunhada com orgulho. “Mandei desenhar uma coruja, símbolo do saber, na bandeira. É um animal que fala pouco e ouve muito.”
Há mais de 30 anos empenhado na tarefa de divulgar sua religião, o Comendador Mendes reconhece que, talvez, seja o único “valmirista 100%”, que não pratica outra religião. Ele não se queixa, porém, da ausência de um rebanho exclusivo. “Aqui na cidade tem muito evangélico que também é seguidor do Valmirismo. Eu não me importo se ele segue outra religião. Todo ser humano nasce valmirista, e se ele se sente feliz numa igreja, está ótimo.” A cabeleireira Elaine Ansilieiro, de 25 anos, ilustra bem o que Mendes quer dizer. Fiel da Igreja Pentecostal Ações e Graça, declara-se uma “valmirista disfarçada”. “Digamos que eu tenho uma religião real, na igreja, e outra virtual, na internet”, comenta.
Dentro de casa, no entanto, a mulher Luzia Lopes Lima, de 64 anos, faz até o sinal da cruz para negar qualquer envolvimento com o Valmirismo pregado pelo marido. “Sou adventista e minha religião é de verdade, não tem nada de virtual. Esse homem não bate bem da cabeça”, afirma, dando início a uma pequena discussão doméstica. “Eu não imponho minha religião a ninguém”, diz o comendador, na tentativa de colocar panos quentes. “Tenho muitos simpatizantes aqui em Itapevi. Veja essa foto em que estou abraçado com a prefeita”, diz, antes de ser interrompido pela mulher: “Esse homem é um puxa-saco”.
Comendador Mendes explica que se dá bem com políticos de todos os partidos e apresenta um amigo que conseguiu aprovar na Câmara uma comenda em sua homenagem por mérito cultural. “Ele está sempre presente nos eventos do município, apoia ações sociais para crianças, jovens, idosos. É uma pessoa muito querida”, comenta o vereador Paulo Rogério de Almeida, enquanto tentava colocar a prefeita para falar com o comendador pelo telefone. “Ela está assinando um contrato em Brasília e não pode atender agora”, diz o parlamentar, evangélico da Congregação Cristã e… valmirista na internet.
Responsável pela propositura que rendeu ao Comendador Mendes o título de “cidadão honorário” de Itapevi, em 1996, o ex-vereador João Moura Rodrigues brinca com a confusão religiosa. “Todos se sentem um pouquinho valmirista. É como se fosse a segunda religião oficial da cidade.”
Mendes sorri, agradecido, e não esconde o desejo de ampliar seu leque de adeptos. “Gostaria de divulgar mais o Valmirismo, falar em programas de tevê”, afirma.
Impressiona, ainda mais que a personagem, a quantidade de cidadãos prontos a participar do espetáculo.
Fonte: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário